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terça-feira, 17 de junho de 2014

Lei da Palmada

Por Cinara Vianna Dutra Braga

Também conhecido como "Lei Menino Bernardo", em alusão ao homicídio de Bernardo Uglione Boldrini, em Três Passos/RS, o Projeto de Lei da Câmara nº 58/2014 no Senado, de relatoria da Senadora Ana Rita, do PT, aprovado em 04 de junho de 2014, foi encaminhado para a sanção da Presidenta Dilma, o que, provavelmente, ocorrerá nos próximos dias.

O PL nº 58/2014 altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante. Além disso, o referido Projeto altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

Pois bem, segundo a inovação legislativa, a criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico (uso de força física que importe em sofrimento físico ou lesão) ou de tratamento cruel ou degradante (aquele que humilha, ameaça gravemente ou ridiculariza), como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.

Os pais ou responsáveis que causarem sofrimento físico ou tratarem de forma degradante ou cruel, seja humilhando, ridicularizando ou colocando em risco as crianças ou adolescentes submetidos aos seus cuidados, deverão ser encaminhados pelo Conselho Tutelar a programa oficial de proteção à família e a cursos de orientação, tratamento psicológico ou psiquiátrico, além de receberem advertência. A criança que sofrer a agressão, por sua vez, deverá ser encaminhada a tratamento especializado.

A proposta prevê, também, multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários mínimos para o profissional da saúde, da assistência social ou da educação ou qualquer pessoa que exerça cargo, emprego ou função pública que tiverem conhecimento de agressões a crianças e adolescentes e não as denunciarem às autoridades, assim como conclama que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuem de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações a promoção de campanhas educativas, a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente; a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente; o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente; a inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a garantir os direitos da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, e de atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo; a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente; e, por fim, determina que a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) inclua conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente nos currículos do ensino fundamental e médio.

Está repercutindo o teor da Proposta Legislativa. Os contrários ao PL nº 58/2014 argumentam, principalmente, que se trata de “Lei Marqueteira” e que seria, apenas, mais uma forma de o Estado interferir no meio familiar do cidadão, já existindo legislação penal coibindo as condutas ali explicitadas.
Discordo.

De acordo com a Vigilância Sanitária de Porto Alegre, 73% das violências cometidas contra crianças e adolescentes ocorrem dentro do ambiente familiar. Mais, 44% delas se caracterizam em violência de repetição. No ano passado, foram atendidas no Centro de Referência no Atendimento Infanto-Juvenil (CRAI), do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HMIPV) aproximadamente 1.890 (um mil oitocentos e noventa) crianças e adolescentes vítimas de algum tipo de violência. Cerca de 1.800 (um mil e oitocentas) crianças e adolescentes estão acolhidas em Abrigos Institucionais ou Casas-Lares do Estado ou do Município de Porto Alegre, a maior parte vítimas de violência sexual, física, psicológica, maus-tratos ou negligência dos pais ou responsáveis. Estas estatísticas são dos casos que chegaram ao conhecimento da Rede de Atendimento. Pergunto: quantas são as crianças e adolescentes diuturnamente violentadas que não são atendidas? Importante mencionar que diversos estudos na área da Psicologia informam que, notadamente, a agressão física contra a criança e o adolescente reflete na sua baixa autoestima na vida adulta.

Esta triste realidade legitima a "Lei da Palmada", a qual não tem natureza jurídica criminal, mas se trata de lei civil, de cunho pedagógico, que busca modificar a cultura brasileira arraigada e arcaica de que os pais ou responsáveis têm o direito de disciplinar o filho mediante o uso da força física, olvidando que a criança e o adolescente são sujeitos de direito, amparados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como pela Constituição Federal, respectivamente, nos artigos 5º e 227º: "nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais" e "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Ainda sob esse enfoque, os tipos penais dos artigos 136 e 129, parágrafo 9º, do Código Penal, bem como o artigo 232 do ECA, já previam as condutas que se pretende coibir pela nova Lei, assim como o artigo 245 do ECA também já descrevia a infração administrativa, agora ampliada aos Assistentes Sociais e aos que exercem cargo, emprego ou função pública. Com relação a esta última figura, por curiosidade, verificou-se junto ao Cartório do 2º Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, que até maio deste ano detinha a competência para o seu processo e julgamento, que não se tem notícia da tramitação de procedimentos de apuração da infração administrativa do artigo 245 do ECA.

Desta forma, temos que a importância da Lei da Palmada para os profissionais que lidam com os direitos das crianças e adolescentes é a de propiciar debate, esclarecimentos e a união de todos os entes federativos e da Rede de Atendimento (Conselhos Tutelares, CRAS, CREAS, CRAI, CAPM, Postos de Saúde, Hospitais e outros), dando ênfase à promoção de políticas públicas na garantia de proteção integral aos seus tutelados, inclusive no modo de educar. Necessário, portanto, o comprometimento dos cidadãos na fiscalização e efetivação dos direitos das crianças e adolescentes de crescerem protegidos da violência por meio de denúncia ao Ministério Público, ao Conselho Tutelar (na Capital, por exemplo, existem dez microrregiões), pelo Disque 100, ao DECA, etc.

Por óbvio, imprescindível a imposição de limites para que as nossas crianças e adolescentes cresçam íntegras, com respeito e com dignidade, mediante orientação, diálogo e outras formas de contenção e de disciplina. Conquanto a legislação pátria já coibisse a violência, a crueldade e a opressão contra as crianças e adolescentes, em se tratando de um assunto tão importante, todo acréscimo é bem-vindo. Deste modo, é preciso conscientizar a população de que a educação sem violência é muito mais eficaz.

O “Não” tem de ser dito, mas com amor e respeito, jamais com violência.
 
Fonte:  Intranet, Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (11/06/2014 13:30 larissapda)

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