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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

PRIMEIRAS CONCLUSÕES SOBRE O CASO CARNAVAL 2011

A 2ª Promotoria de Justiça Especializada concluiu a primeira etapa das investigações relativas aos gastos com o Carnaval 2011 do Município de Pelotas, especificamente quanto à contratação de produtor cultural para a apresentação de Luiz Ayrão na Praia do Laranjal. A Promotoria  entendeu que houve irregularidades na mencionada despesa pública, o que ocasionou o ajuizamento, em 29 de novembro, de ação civil pública contra o Secretário de Cultura e o particular beneficiário. Abaixo o texto integral da ação. Em relação às irregularidades denunciadas na CPI realizada pela Câmara Municipal, a Promotoria aguarda documentação requisitada à Prefeitura, para esclarecimentos necessários.

Exmo. Juiz de Direito de Vara Cível da Comarca de Pelotas:


O Ministério Público, pelo agente signatário, legitimado pelo artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, e com base nos inquérito civil  n.º 00824.00048/2011, propõe a presente

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em face de
   
    Ulisses Nornberg, brasileiro, secretário municipal de cultura de Pelotas, inscrito no RG sob o n.º 1054260052, residente na Rua Félix da Cunha n.º 716/901, bairro Centro, Pelotas – RS, e

Sérgio Augusto Araújo Cabral, brasileiro, jornalista e produtor cultural, inscrito no RG sob o n.º 7005480129 e no CPF sob o n.º 286.784.340-00, residente na Rua Presbítero Cláudio Neutzling, n.º 103 ou 130, Bloco B, apto.107, bairro Três Vendas, Pelotas – RS, com base nos fatos e fundamentos que passa a expor:


I. FATOS E FUNDAMENTOS

1.    Entre os dias 24 de fevereiro e 15 de março de 2011, conforme demonstram as notas de empenho nº 3381/2011, nº 3382/2011 e nº 4120/2011 (fls. 18/20), a Prefeitura de Pelotas despendeu a quantia de R$ 20.348,00 em favor de  Sérgio Augusto Araújo Cabral.
O valor correspondia ao pagamento:
- de cachê pelos serviços de produção artística para o show de Luiz Ayrão, por acontecer no dia 27 de fevereiro de 2011 na Praia do Laranjal (R$ 15.348,00);
- de cachê pelos serviços de produção artística para apresentação dos 5 melhores conjuntos que participarão do 10º Concurso de Vocais do Diário Popular (R$ 5.000,00).
Todavia, as despesas acima mencionadas padecem de irregularidades, colocando o agente público ordenador, assim como o beneficiário dos pagamentos, ao alcance da Lei de Improbidade Administrativa.
São elas:
a) Ausência de licitação para contratação de produtor artístico (artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92).  Aprovação de projeto sem passar pelas instâncias administrativas (artigo 10, inciso XI, ou artigo 11, “caput”, da Lei nº 8.429/92).
Nas notas de empenho mencionadas consta que a licitação foi dispensada por incidência do artigo 24, inciso II, da Lei nº 8.666/93, ou seja, em virtude do valor da despesa; todavia, tal dispensa só é possível para gastos inferiores a R$ 8.000,00, concluindo-se que o dispositivo invocado não tem aplicação.
Com efeito, se desejasse a Prefeitura contratar os serviços artísticos em questão, deveria tê-lo feito diretamente com o agente/empresário que representa o cantor – a empresa Show Sete Eventos –, tal como ordena o artigo 25, III, da mencionada Lei, e só nesse caso se poderia admitir uma hipótese de inexigibilidade de licitação.
No entanto, a contratação de um produtor artístico que serviria apenas como intermediário, mesmo que fosse em algum momento justificada,  não poderia prescindir do devido processo licitatório.
Prosseguindo: no intuito de receber verba pública para contratar o artista Luiz Ayrão e para intermediar a apresentação dos conjuntos vocais, Sérgio Cabral encaminhou, em data incerta, dois projetos à Secretaria de Cultura (fls. 6/9).
Os projetos, nos quais sequer se encontra a respectiva data de elaboração, foram aprovados, também em data indeterminada (v. fls. 6-v e 8-v) de forma arbitrária pelo Secretário de Cultura. Embora exista um projeto público de liberação de verbas para eventos culturais (PROCULTURA), com uma comissão que analisa e seleciona as propostas, resguardando a impessoalidade das escolhas administrativas, a Secretaria de Cultura optou por usar as dotações orçamentárias do Carnaval para tal fim, muito embora as apresentações artísticas tenham tido lugar na Praia do Laranjal e em um evento – Encerramento do Verão – que não guarda relação com o Carnaval. Pois, reforçando o caráter arbitrário e pessoal da contratação, destaca-se que as despesas previstas para o Carnaval 2011 sempre eram analisadas pela Comissão de Carnaval, mas na hipótese em comento a despesa foi autorizada sem tal providência.

b) Irregularidade na liquidação da despesa e renúncia fiscal (artigo 10, caput e incisos X e XI, da Lei nº 8.429/92).
Sob o ponto de vista da legislação de finanças públicas, o demandado Sérgio Cabral não pode ser considerado como pessoa habilitada a prestar o serviço para o qual foi contratado, pois não possui qualquer empresa do ramo de produção artística registrada em seu nome; atua como mero autônomo, condição que poderia ser ostentada por qualquer pessoa, o que não indica que possua habilitação para ser contratado pela Administração Pública.
Além disso, o gestor deixou de formalizar a avença em contrato escrito, que satisfizesse as exigência do artigo 55 da Lei de Licitações.
As conseqüências decorrentes de tais falhas são graves.
Em primeiro lugar, o demandado não emitiu nota fiscal ou outro documento que possa ser tido como apto à liquidação da despesa pública.
De acordo com o §2º do artigo 63 da Lei Federal nº 4.320/64, a liquidação da despesa por serviços prestados deverá ter por base o contrato, a nota de empenho e os comprovantes da prestação efetiva do serviço, i. e., dois entre três elementos necessários estavam ausentes.
Mas a falta de um contrato escrito, com cláusulas claras regulando a relação e protegendo o interesse público, acabou gerando um “gasto extra”, leia-se prejuízo,  para o Erário.
O produtor havia “solicitado” uma verba de R$ 12.000,00 para trazer a Pelotas o cantor Luiz Ayrão, e mais R$ 5.000,00 para apresentação dos conjuntos vocais, totalizando R$ 17.000,00.
Por ocasião do pagamento do empenho, a Secretaria de Finanças determinou que fossem feitos os descontos legais, quais sejam, retenção de INSS e de Imposto de Renda.
O demandado Sérgio, inconformado com os descontos, solicitou ao Secretário de Cultura a complementação do pagamento, o que foi prontamente autorizado, conforme fl. 20.
Assim sendo, conclui-se de forma segura que o próprio Município acabou pagando o imposto de renda e a contribuição previdenciária devidas pelo produtor!
E não é só: a contratação de pessoa física em detrimento de empresa habilitada ainda ocasionou um prejuízo adicional aos cofres públicos, consistente na falta de recolhimento de ISS e na necessidade de recolhimento da contribuição previdenciária patronal, esta na ordem de 20% dos valores totais pagos.

2.    Os procedimentos levados a efeito pela Prefeitura, ao mesmo tempo em que se mostraram lesivos ao Erário (artigo 10 da Lei nº 8.429/92), desatenderam princípios constitucionais da legalidade, eficiência, economicidade e impessoalidade (artigo 11 da Lei nº 8.429/92), como demonstrado acima.
A responsabilidade pelas irregularidades cometidas é de ser atribuída ao Secretário de Cultura, o demandado Ulisses, que foi quem aprovou os “projetos” e autorizou as despesas irregularmente, bem como a respectiva complementação.
O demandado Sérgio deve ser responsabilizado à luz do artigo 3º da Lei nº 8.429/92, pois foi beneficiário dos atos de improbidade cometidos.
Neste ponto deve-se destacar que ele recebeu R$ 12.000,00 da Prefeitura, livres dos descontos legais (pagos pelo Município) para contratar Luiz Ayrão, e o fez com um pouco mais do que isso, R$ 14.500,00, mas para três eventos.
De fato, conforme documentação que instrui o inquérito civil, o demandado Sérgio Cabral firmou contrato com Luiz Ayrão para três apresentações artísticas em Pelotas (fl. 10), duas delas de interesse exclusivamente particular, quais sejam, apresentação em casa noturna e servir como jurado em concurso musical promovido por órgão de imprensa local, sendo que, no primeiro deles, o produtor auferiu a receita oriunda da venda exclusiva dos ingressos.
Não seria equivocado concluir, diante de todas as irregularidades formais acima elencadas na constituição e execução da despesa pública, que os procedimentos administrativos equivocados acabaram permitindo a utilização de verbas públicas em prol de interesses estritamente particulares do referido produtor.


II. PEDIDOS

3.  Por todo o exposto, o Ministério Público requer:
a) notificação dos demandados para que apresentem defesa preliminar prevista no artigo 17, §7º, da Lei n°. 8.429/92;
b) o recebimento da petição inicial e a citação dos demandados para que apresentem resposta no prazo legal;
c) a cientificação do Município de Pelotas, na pessoa do Procurador-Geral, para os fins do artigo 17, § 3o, da Lei nº. 8.429/92;
d) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente o testemunhal, documental e pericial;
e) a procedência da ação proposta, a fim de que os demandados sejam condenados nas sanções do artigo 12, incisos II e III, da Lei de Improbidade Administrativa.

    Estima-se à causa o valor de alçada.


PELOTAS, 14 de novembro de 2011.



JAIME NUDILEMON CHATKIN,
2º PROMOTOR DE JUSTIÇA ESPECIALIZADO DE PELOTAS.

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